14 setembro, 2006

Brian Eno e David Byrne - O Arbusto e Os Fantasmas Vivos


Um dos discos mais revolucionários e inovadores de inícios dos anos 80, «My Life In The Bush of Ghosts», de Brian Eno e David Byrne, foi reeditado, remasterizado e aumentado recentemente (tendo também uma capa nova, diferente daquela que está aqui em baixo). Já era tempo. O álbum ficou como um marco de vários géneros musicais, como um dos momentos-charneira da utilização de samples na música popular e precursor de muitos cruzamentos que, depois, a chamada world music iria desenvolver. No site bushofghosts, dedicado à reedição do álbum, está a decorrer um curioso concurso de remisturas dos temas, aberto à participação de toda a gente. E, aqui, recupero um texto originalmente publicado no BLITZ, em Agosto de 2002, de memória do álbum.


BRIAN ENO & DAVID BYRNE
«MY LIFE IN THE BUSH OF GHOSTS»
LP Sire, 1981

Um deles, Brian Eno, foi o responsável pelo traçar de caminhos dos Roxy Music, antes de abandonar o grupo (logo ao segundo álbum), por incompatibilidades com Bryan Ferry, e para se lançar numa fabulosa carreira a solo onde traçou as coordenadas de muitos dos caminhos que as músicas electrónicas e/ou ambientais iriam tomar depois, para além de se abalançar na produção (David Bowie, Devo, Ultravox...) e colaborar com gente como John Cale, Nico, Camel ou Robert Fripp. O outro, David Byrne, fazia parte de um dos mais importantes grupos da new wave nova-iorquina, os Talking Heads. Os dois encontram-se quando Eno produz o álbum «More Songs About Buildings and Food», dos Talking Heads, em 1978. E Eno ainda produziria mais dois álbuns da banda - «Fear of Music» e «Remain in Light» - antes de os dois cérebros lançarem, no início de 1981, uma obra assinada Brian Eno & David Byrne, «My Life In The Bush of Ghosts», que viria a ser uma peça fundamental da música ocidental ao abrir caminho(s) para vários horizontes: o «corta e cola» do sampler (as vozes que se ouvem em «My Life...» são todas elas «pilhadas» em rádios, discos obscuros, gravações feitas aqui e ali...); uma maior abertura à música de origem não anglo-saxónica (gravações de cantoras e cantores de Marrocos, Líbano, Egipto, Japão...); o escavar pistas para as músicas electrónicas de características mais dançáveis (apesar de haver temas mais ambientais, ao jeito de Eno, há outros que são uma funkalhada pegada ou que têm como base ritmos tribais africanos, mais ao jeito de Byrne...). Mas tudo isto sem ar de tese nem de teoria pura e simples: há momentos que se podem considerar, digamos, divertidos (a voz demencial de um pregador evangélico americano e até a voz, realmente assustadora, de um exorcista!) e a base musical, tocada não samplada, é viva e pulsante (cortesia, para além de Eno e Byrne, de gente como Bill Laswell, Busta Cherry Jones, Robert Fripp ou Chris Frantz, baterista dos Talking Heads).

Depois de «My Life In The Bush of Ghosts», Eno seguiria a sua carreira a solo e embarcaria em colaborações e produções (U2 e o projecto paralelo Passengers, James, Laurie Anderson, Harold Budd, Johnny Cash, Peter Gabriel, Elvis Costello, Robert Fripp, Robert Wyatt...). E Byrne, depois de abandonados os Talking Heads, partiria ainda mais à descoberta das «músicas do mundo», usando-as na sua própria carreira ou como sementes de uma editora que deu a conhecer (ou permitiu o reconhecimento) gentes do Brasil, África ou Portugal, através da editora Luaka Bop. São grandes, enormes, músicos, com uma carreira brilhante (antes e) depois da edição de «My Life In The Bush of Ghosts». Mas nunca mais atingiriam o nível, o génio, a profecia, visão e presciência deste álbum que semeou milhares de arbustos e deu vida a milhões de fantasmas nas estradas dos sons.

Descendências (entre muitas outras):

Banda do Casaco - «Banda do Casaco com Ti Chitas»
Stewart Copeland - «The Rhythmatist»
Peter Gabriel - «Passion»
Negativland - «Helter Stupid»
Loop Guru - «The Third Chamber»
Deep Forest - «Deep Forest»
Moby - «Play»
The Avalanches - «Since I Left You»
1 Giant Leap - «1 Giant Leap»

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