20 setembro, 2006

Mercan Dede, Bajofondo Tango Club, «Electric Gypsyland 2» - Dança Ainda Mais Dança


Três álbuns saídos este ano mostram à saciedade que nem todas as fusões de música electrónica (se se quiser, música de dança no sentido da actual expressão anglo-saxónica «dance music») com géneros mais tradicionais de músicas...de dança são foleiras ou inúteis: «Bajofondo Remixed», dos Bajofondo Tango Club (na foto), «Breath», de Mercan Dede, e a colectânea «Electric Gypsyland 2». Ou quando a música de dança o é, duplamente.


BAJOFONDO TANGO CLUB
«BAJOFONDO REMIXED»
Surco Records/Universal

O tango foi um dos primeiros ritmos de dança, digamos, tradicionais a ter uma grande aceitação fora do país em que nasceu, a Argentina (e do Uruguai ali ao lado), para se espalhar por todo o mundo. E, de música de paixões violentas nas ruas e prostíbulos de Buenos Aires cantada por homens do calibre de Carlos Gardel, saltou para forma de arte maior - e para salões e grandes salas de concerto - com o génio de Astor Piazzolla. Reinventando-se. É, talvez por isso, quase natural que o tango seja um dos géneros mais recorrentes nas manobras fusionistas de uma enorme geração de novos músicos, argentinos e não só, que vão ao tango e o lançam para um presente feito de electrónica e novos ritmos de dança. Gotan Project, Tango Crash, Narcotango, Tangheto e os Bajofondo Tango Club estão na linha da frente dessa renovação. E os Bajofondo um bocadinho à frente do pelotão, mercê da junção de alguns cérebros maiores da música sul-americana: o compositor, guitarrista e produtor argentino Gustavo Santaolala (ele que é um dos mais importantes produtores de rock latino e o homem da banda-sonora de «Brokeback Mountain»), o compositor, produtor e DJ uruguaio Juan Campodónico, o teclista, DJ e compositor Luciano Supervielle, o violinista Javier Casalla, o bandoneonista Martín Ferres, o contrabaixista Gabriel Casacuberta e a vocalista (e video-jockey) Verónica Loza, e, sempre, mais uma mão cheia de colaboradores (como a fabulosa cantora Adriana Varela). E, se nos dois álbuns de originais do grupo, «Bajofondo Tango Club» e «Supervielle» (este assim chamado porque teve no teclista o seu principal compositor), os Bajofondo já tinham levado o tango a viajar por muitos e excitantes novos territórios, nomeadamente o hip-hop, neste «Bajofondo Remixed» - que inclui remisturas de temas dos dois álbuns -, ainda há lugar para o rap em «Miles de Pasajeros (Omar Remix)», mas também para muitos outros géneros - electro espacial, house, dub, drum'n'bass ou um chill-out suavezinho - às mãos de remisturadores como Alexkid, Capri, Lalann, Bad Boy Orange, Mercurio, Omar, Romina Cohn, Marcello Castelli, Boris Dlugosh, Twin, Calvi & Neil, Androoval ou Nortec y Zuker. E é quase sempre muito boa de se ouvir, eventualmente de se dançar, esta re-releitura da já de si releitura do tango dos Bajofondo - a quem interessar, «bajofondo» quer dizer «underground». (7/10)


VÁRIOS
«ELECTRIC GYPSYLAND 2»
Crammed Discs/Megamúsica

Quando apareceu, há três anos, «Electric Gypsyland» foi uma muito boa surpresa. O álbum incluía temas dos Taraf de Haidouks, Koçani Orkestar e Mahala Rai Banda remisturados por DJ Shantel, Señor Coconut, Mercan Dede (de quem se falará a seguir), Arto Lindsay, DJ Dolores e Juryman, entre outros, e aquilo foi uma festa para quem gosta de dançar ao som da música cigana balcânica, aqui com um toque de modernidade, sim, mas com um respeito enorme pela música original. Em «Electric Gypsyland 2», o conceito continua - aqui os temas remisturados são também dos Taraf de Haidouks, Koçani Orkestar e Mahala Rai Banda, mais um do francês Zelwer - mas com alguns desvios surpreendentes (como a releitura dos electrofolk Tuung de «Homecoming» dos Taraf De Haidouks; a fabulosa remistura dos Animal Collective para «Oi Bori Sujie», da Koçani Orkestar; o lindíssimo trabalho do argelino Smadj sobre «Mi Bori San Korani» dos Koçani Orchestra - com a adição de oud e kanun a fazer a ponte com a música árabe -; dos neo-klezmers Oi Va Voi sobre «A Rom and A Home», dos Taraf de Haidouks; a bossa-novização dada pelos Nouvelle Vague a «Morceau d'Amour», da Mahala Rai Banda; ou a subida ao nordeste brasileiro por Cibelle em «Maxutu», da Koçani Orchestra) e alguns momentos de festa e folia completas (oiçam-se as remisturas dos Balkan Beat Box para «Red Bula» da Mahala Rai Banda; da Forty Thieves Orkestar sobre «The Man Who Drinks» da Mahala Rai Banda; a africanização dos ShrineSynchroSystem - com Tony Allen na bateria e Sekou Kouyate, dos Ba Cissoko, em kora - em «Neacsu In Africa», dos Taraf de Haidouks; o trabalho dos ucranianos Yuriy Gurzhy e Wladimir Kaminer que transformam um tema de Zelwer numa skazada klezmer-balcânica divertidíssima e com alusões aos Gogol Bordello; ou «Spoitoresa», da Mahala Rai Banda revisto por Russ & Roc). Outra surpresa do álbum é «Ismail Oro», da Koçani Orchestra, remisturado pelos ressuscitados para a ocasião 23 Skidoo (aqui chamados 43 Skidoo, isto é Sam Mills e Fritz Catlin), acompanhados pela cantora indiana Susheela Raman, mulher de Mills. Ah, e uma adição feliz: o novo «Electric Gypsyland» traz também um CD-bónus com os temas originais. (9/10)


MERCAN DEDE
«BREATH»
Doublemoon

O músico, compositor e DJ turco Mercan Dede é um dos mais notáveis fusionistas de música de tradicional com as novas linguagens electrónicas. No seu novo álbum, «Breath», Mercan Dede - que pudemos ver numa rara aparição em palcos nacionais no festival Sons do Atlântico, em Lagoa - continua a assombrar com o seu bom-gosto nas opções estéticas tomadas (nunca, mas nunca, a sua mistura de influências e sonoridades descamba para uma mistela foleira qualquer) e, nos quinze temas do álbum, há sempre lugar para uma verdade maior - a presença de belíssimas vozes femininas e masculinas, incluindo as de Aynur Dogan e Azam Ali e, pela primeira vez, a dele próprio; o recurso a instrumentos tradicionais como a ney, o saz, sanfona, kanun, violino, oud e percussões variadas, tudo tocado por gente de verdade e não samplado - e para uma utilização equilibrada de músicas tradicionais (de inspiração sufi e outras de origem turca, música árabe, música indiana e paquistanesa...) com ritmos e texturas electrónicos, quase sempre em downtempo ou midtempo ou incorporando elementos jazzísticos (como no tema-título). É mais música para ouvir, para reflectir, se se quiser para meditar - os temas de Mercan Dede têm muitas vezes um carácter quase sagrado - do que propriamente para dançar. Mas é na sua esmagadora maioria muito boa e nada impede que alguns temas sejam usados numa sessão de dança do ventre ou, ficcionando, numa reconstituição futurista de danças dervixes adaptadas d'«A Casa Dourada de Samarcanda», de Hugo Pratt. «Breath» é a terceira parte de uma tetralogia dedicada aos quatro elementos - na Turquia, «Breath» tem como título «Nefes», que significa «ar», e segue-se aos álbuns «Nar» («fogo») e «Su» («água»). (8/10)

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