11 setembro, 2006

Cacharolete de Discos (Parte 523)


E mais uma selecção de críticas de discos originalmente publicadas no BLITZ há alguns meses. Uma boa colectânea de entrada na música folk escocesa (e nas suas margens...), o novo álbum de Susana Baca (ver entrevista mais abaixo, neste blog), o italiano Riccardo Tesi e, não tão estranhamente quanto isso - e basta ler o texto para se perceber porquê -, o último álbum de Robert Plant (na foto)...


VÁRIOS
«BEGGINER'S GUIDE TO SCOTLAND»
Nascente/Megamúsica

Música escocesa entre a tradição «celta» e o futuro.

Geralmente, quando se fala de música folk «celta», fala-se de música irlandesa e esquece-se, muitas vezes, a riquíssima tradição musical da vizinha Escócia. É injusto, mais a mais quando muitas das formas musicais geralmente associadas com a música «celta» (sempre com aspas) são comuns a Irlanda e Escócia e também País de Gales (jigs, reels, airs...). Este triplo-álbum é uma excelente maneira de desfazer esse equívoco e uma boa porta de entrada na folk escocesa, quer através de um primeiro ábum, «Classic Roots», mais dedicado à música tradicional mais «pura» (com bandas incontornáveis como os Capercaillie ou Battlefield Band, a espantosa cantora Catherine-Ann MacPhee ou um lindíssimo dueto voz/gaita-de-foles de Margaret Stewart e Allan MacDonalds). O segundo, «New Awakenings», mostra alguns intérpretes mais recentes que estão a levar a tradição para o futuro como as Dóchas, os Deaf Shepherd, o grupo de violinistas Blazin Fiddles, os maravilhosos Cliar, The Poozies ou até nomes que estão fora das margens da folk como Jackie Leven. O terceiro, «No Boundaries», mostra alguns híbridos curiosos como os Cappercaillie aqui com patine electrónica, os Shooglenifty a misturar a folk escocesa com rumba, as gaitas-de-foles com electrónica e rock dos Peatbog Faeries, o experimentalismo iconoclasta e excitante de Martyn Bennett (que mete a mãe a cantar um tradicional à mistura com guitarras eléctricas, dub e cantos índios) ou a festa cubano-escocesa dos Salsa Celtica. (7/10)


SUSANA BACA
«TRAVESÍAS»
Luaka Bop/Edel

Diva peruana reforça laços afro-latino-americanos e atira-se a outras línguas que não só o espanhol.

Já não há muitas dúvidas de que os blues nasceram em África antes de viajarem nos navios negreiros para os Estados Unidos. E de que o samba brasileiro poderá ter tido origem no semba angolano. E de que, muito provavelmente, o fado vem do lundum (cuja origem também está em África)... O percurso artístico, pessoal e até académico da cantora Susana Baca tem sido feito, desde há muitos anos, no sentido da (re)descoberta dos laços perdidos entre África e a música (e cultura) do Peru. No seu novo álbum, «Travesías», Susana Baca continua a dar vários exemplos – quase que se diria «práticos» ou «explicativos» - dessa ligação, tão óbvia depois de a ouvirmos cantar (principalmente nos temas tradicionais). Mas o álbum vai mais longe e mostra a cantora a interpretar brilhantemente temas de Gilberto Gil, Maxime Le Forestier ou Damien Rice. (7/10)


RICCARDO TESI
«ACQUA FOCO E VENTO»
Felmay/Megamúsica

A concertina de Riccardo Tesi vai à música da Toscânia.

Respeito, amor, pesquisa e alguma ousadia nas orquestrações percorrem este novo álbum do italiano Riccardo Tesi (concertina), aqui acompanhado por Maurizio Geri (guitarra e voz) e um grupo de outros músicos, todos em viagem à música tradicional da Toscânia – principalmente das montanhas de Pistoia –, e ainda com um saltinho à Córsega. São canções de protesto e de jogos infantis, cantos de trabalho, baladas, uma banda filarmónica lá pelo meio... Destaques para o espantoso tema «Cos’e’ Uno» (uma lenga-lenga interpretada a capella), a «mini-sinfonia» em quatro andamentos «Pastorale», baseada em canções dos pastores das montanhas de Pistoia, e a alegríssima e divertidíssima «La Cena della Sposa», uma canção picante interpretada em casamentos. (7/10)


ROBERT PLANT
«MIGHTY REARRANGER»
Sanctuary/Som Livre

Embora se possam encontrar pontos de contacto entre «Mighty Rearranger» e o álbum de originais anterior de Robert Plant (a voz mítica dos Led Zeppelin, agora ainda dona de todas as suas capacidades e com um grão adicional que a idade apurou), «Dreamland», a grande diferença - e para melhor - neste novo álbum é que este já é o disco de uma banda e não só de um cantor acompanhado por músicos convidados. O peso de Plant está lá, sim, mas também o peso cada vez maior de Justin Adams - o fabuloso guitarrista que foi dos Invaders of the Heart (de Jah Wobble), e flirtou várias vezes com a música do norte de África, nomeadamente no seu projecto Wayward Sheikhs.

E, embora a paixão de Plant pela música árabe e indiana já venha dos tempos dos Led Zeppelin (relembre-se «Kashmir») e tenha sido desenvolvida depois, a solo, ou em alguns projectos com Jimmy Page, é cada vez mais evidente o gosto do cantor por atmosferas longe do rock e da pop. Neste álbum há uma forte presença de blues - os do delta do Mississippi ou os «pioneiros» mandinga e gnawa (verificar em «The Enchanter», «Takamba» - este um tema fabuloso que parece a resposta «branca» aos Tinariwen e a Ali Farka Touré -, «Somebody Knocking» ou «Mighty Rearranger») -, há bendires a rodos, há uma voz que parece saída directamente dos Zeppelin mesmo quando a música deles se afasta objectivamente, há folk de inspiração vagamente «céltica».

Quer dizer, estão cá as grandes paixões de quase sempre de Robert Plant. E, embora não seja um álbum absolutamente brilhante, é um disco honesto. E luminoso muitas vezes. Mesmo a faixa escondida - uma remistura drum'n'bass-gnawa-espacial de «Shine It All Around» - não destoa. (7/10)

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