23 setembro, 2006
Tartit e Etran Finatawa - A Magia da Música Tuaregue (e Wodaabe)
Os Tinariwen são, provavelmente, o grupo de música tuaregue mais conhecido no Ocidente. Mas antes deles já os Tartit (na foto) tinham mostrado ao mundo estas melodias hipnóticas e estes ritmos concêntricos, em círculo e espiral, que nos sugam lá para dentro para deles dificilmente sair. O seu novo álbum, «Abacabok», é editado por estes dias. E, depois dos Tinariwen - e com semelhanças evidentes com eles -, surgem agora os Etran Finatawa, estes uma interessante junção de músicos tuaregues com músicos de etnia wodaabe. O seu álbum de estreia, «Introducing Etran Finatawa», foi editado há alguns meses.
TARTIT
«ABACABOK»
Crammed Discs/Megamúsica
Imagine-se uma brisa de vento quente, um movimento suave e lento, como se toda a areia do deserto levasse a eternidade inteira a escorrer na garganta de uma ampulheta. E imagine-se agora que este estilhaçar do conceito de tempo é feito de notas musicais raras e belas, de vozes - quase sempre cinco vozes femininas (que cantam ou que gritam e ululam, batem palmas e tocam percussões) - e de instrumentos de cordas que estão nas mãos de quatro homens velados por panos azuis indigo: o imzad (violino de uma corda) e, aqui e ali, guitarras eléctricas. É assim a música dos tuaregues Tartit: como um chamamento que vem dos confins do tempo, como uma melopeia de despedida ao amante ou ao irmão que parte na caravana, como um grito de igualdade entre homens e mulheres (os tuaregues, que pertencem à imensa família berbere, são dos poucos povos do norte de África que, apesar de tendencialmente muçulmano, permite às mulheres escolher marido e divorciar-se), como uma luz apontada a um futuro mítico em que todos os povos do mundo terão uma voz que é ouvida. E é sempre de uma beleza imensa, tanto na sua (aparente) lentidão hipnótica como (oiça-se o final de «Achachore I Chachare Akale», com a colaboração de Afel Bocoum e da sua banda) quando acelera em direcção às estrelas. Ou quando faz a ponte - uma ponte frágil, feita de areia e de barro - entre a música gnawa e os blues de Ali Farka Touré (os Tartit vivem em Timbuktu, no Mali). Ou quando, como em «Tihou Beyatene», há um travelling de aproximação a uma música perigosa, urgente, insidiosa, com uma respiração que vem do fundo dos tempos e onde duas vozes parecem conter toda a sabedoria do universo. A mesma respiração, em uníssono, que se ouve em «Al Afete», com vozes e uma flauta, numa oração pela paz, e no incandescente tema final, «Inbahwa», tocado só com imzad. (9/10)
ETRAN FINATAWA
«INTRODUCING...»
World Music Network/Megamúsica
Embora ligeiramente menos interessante e menos rico em nuances que o novo álbum dos Tartit, «Introducing Etran Finatawa» (com o sub-título «Desert Crossroads: Tuareg and Wodaabe Nomads Unite»), álbum de estreia dos Etran Finatawa, é também uma excelente porta de entrada na música dos tuaregues e, neste caso, também dos wodaabe (tribo nómada, tal como os tuaregues, mas de origem, língua e culturas diferentes - os tuaregues são berberes e falam tamashek enquanto os wodaabe são de etnia fulani). Originários do Niger, os Etran Finatawa (nome que significa «as estrelas da tradição») são seis wodaabe e quatro tuaregues, unidos pelo mesmo gosto pela música e pelo mesmo desejo de paz entre todas as etnias que vivem ou viajam pelo rio Niger (Nota: não esquecer que o Festival do Deserto, no norte do Mali, é exactamente uma celebração pacífica de comunhão entre tribos daquela imensa região há ainda poucos anos desavindas). E um gosto pela música que os faz viajar livremente pela música tuaregue, sim, por solistas e coros ricos em harmonias (os cantos wodaabe são polifónicos e ricos em jogos de chamada-resposta), sim, mas também pelo rock ácido e pelos blues eléctricos, pela experimentação e pelo funk, numa linha às vezes próxima dos Tinariwen, outras mais perto de Ali Farka Touré. Isto é, nos Etran Finatawa há guitarras eléctricas, muitas, mas também há espaço para surpresas como as vozes em transe, as palmas a compasso e uma flauta em espasmos no belíssimo «Maleele», ou a fabulosa «Anadjibo», uma canção wodaabe que fala das dificuldades que um nómada tem para cumprir os preceitos da religião muçulmana (se o fiel pára a uma hora certa para rezar a Alá, a sua vaca foge-lhe; já se não rezar fica com a vaca, mas...) ou ainda a canção/dança mágica «Ronde». (8/10)
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