04 setembro, 2006

Festa do «Avante!» - Uma Música em Atalaia


Estar de atalaia é o mesmo que estar atento, vigilante, sentinela de algo de novo, que acontece ou está para acontecer. E é uma coincidência feliz que a Festa do «Avante!» - órgão oficial do Partido Comunista Português - se realize, desde há muitos anos, numa quinta com este nome. Porque a Festa continua a ser um óptimo ponto de descoberta e de observação (ainda outra maneira de dizer atalaia) da música que se faz em Portugal e noutros sítios. A 30ª edição da Festa do «Avante!» teve momentos altos suficientes para que permaneça por muito tempo na memória dos festeiros, avantereiros aventureiros. Aqui ficam algumas notas soltas sobre alguns dos concertos de folk/trad/world, o que se lhes quiser chamar...

Logo a começar, na sexta-feira, os Djumbai Jazz do cantor guineense Maio Coopé - com José Galissa numa kora deliciosa e baixo, bateria, saxofone, duas coralistas-dançarinas, percussionista... - instalaram a festa com uma mistura explosiva de afro-beat, mbalax, funk e música mandinga. Cor, dança, alegria. Uma festa que continuou, horas depois, ainda no Auditório 1º de Maio, com o fado cada vez menos fado da, paradoxalmente, cada vez mais fadista - no canto, na voz, no espírito, na presença - Cristina Branco, num concerto lindíssimo (apesar do som dos foguetes e da música de carrinhos-de-choque de um bar próximo terem estragado, de vez em quando, o ambiente) e em que não se sentiu a ausência de Custódio Castelo (bem substituído por outro guitarrista - Paulo Parreira?) e onde o pianista Ricardo Dias (da Brigada Victor Jara) dá um toque de modernidade e sensibilidade absolutas. E fim de festa, na primeira noite, com os Andarilhos, banda sem pretensões que faz versões de música tradicional e levou a dança aos resistentes no Café-Concerto.

O segundo dia, sábado, começou muito bem, no 1º de Maio, com os Mandrágora, diferentes - para melhor - dos Mandrágora que tinha visto pela última vez em Loulé: a banda tem agora um baixo eléctrico (em substituição do acordeão) e o som do grupo portuense está agora mais rude, mais rock, mais swingante. Nalguns temas mais lentos o baixista ainda tenta encontrar o seu espaço, mas quando aquilo acelera ele leva o resto da banda atrás de si. E isso é bom. Ainda no Auditório, A Naifa (na foto, de Mário Pires, da Retorta) deu o melhor concerto de todos os que vi nesta Festa: um concerto triunfal, com a banda de Mitó, João Aguardela, Luís Varatojo e, agora, Samuel Palitos na bateria, a saírem de palco, depois da sua versão de «Tourada» em encore, debaixo de uma tempestade de aplausos. E razões para os aplausos não faltaram: Mitó cantou como nunca a ouvi cantar (toda ela confiante, confidente, sensual, solta e livre e feliz), Aguardela está um mestre no baixo eléctrico, Varatojo está cada vez mais um melhor executante de guitarra portuguesa e Samuel Palitos deu um toque perfeito de fúria punk a alguns temas, que assim ganharam corpo e densidade rítmica. Depois, o reportório privilegiou o segundo álbum e nem faltou o irónico para a ocasião - mas bastante bem aceite - «Señoritas» ou o cada vez mais arrepiante, arrepiante mesmo!, «Todo o Amor do Mundo Não Foi Suficiente».

Não vi - só ouvi de perto, numa fila à espera de uma sandes de leitão... - os escoceses Peatbog Faeries, mas aquilo soa quase sempre bem - principalmente nos solos do violino - e às vezes mal, quando um rock manhoso entra pelos jigs e reels fora e arrasa aquilo tudo. Manhosice que não existe, e ainda bem, nos Gaiteiros de Lisboa, que deram mais um concerto magnífico (no palco 25 de Abril), que começou com a loucura de «Ciao Xau Macau» e continuou com temas do novo álbum (destaque, óbvio, para aqueles em que Manuel Rocha, da Brigada Victor Jara, entrou muito bem com o seu violino - «Comprei Uma Capa Chilrada» e «Chamarrita do Pico» -, e para as picantíssimas «As Freiras de Sta. Clara») e outros mais antigos que levaram ao coro ou ao espanto ou ao mosh ou ao pulo muitos dos fãs dos Xutos & Pontapés (que actuariam a seguir): «Mbira do Norte», «Subir Subir», «Quando o Judas Teve Sarampo» ou, já no encore, «Trângulo Mângulo».

Infelizmente só consegui ver parte do concerto dos Taraf de Haidouks: o espectáculo destes ciganos romenos estava magnífico, tal como sempre, mas o calor, a quantidade de gente amontoada num espaço cada vez mais exíguo (o Auditório 1º de Maio) para alguns concertos, os feedbacks constantes, fizeram-me zarpar para um bar próximo, com amigos e cervejas frescas. E, depois, já perto das três da manhã, para uma surpresa: os já mencionados Manuel Rocha (em violino) e Ricardo Dias (aqui em acordeão) tocavam «standards» de música tradicional portuguesa e de José Afonso («As Sete Mulheres do Minho», «Milho Verde», etc, etc, etc...), em cima de uma das mesas do restaurante de Coimbra, para deleite e festa e coro de dezenas de pessoas. E isto é tão bonito!!

No domingo falhei os concertos da tarde mas cheguei a tempo de confirmar, mais uma vez, o poder - dir-se-ia magnético - dos fabulosos Babylon Circus, no Palco 25 de Abril: centenas de pessoas aos saltos e em dança constante durante o seu concerto feito de tantas músicas quanto é lícito imaginar. Saí, estavam eles a cantar que a caravana passa, pelo meio de milhares de pessoas em direcção ao concerto de Sérgio Godinho, no 1º de Maio, a abarrotar lá dentro e com mais algumas centenas de pessoas a assistir de fora: um concerto em que Godinho - acompanhado por uma banda rejuvenescida e com músicos de escola de rock inteligente - fez apelo à memória de muitos dos rapazes e raparigas que o conheceram via «Os Amigos do Gaspar» (e isso foi perfeitamente audível no coro, lindíssimo, que recebeu a canção «É Tão Bom»), mas sem esquecer temas emblemáticos da sua carreira - todos eles também com direito a coro - como «Balada da Rita», «Arranja-me Um Emprego», «Quatro Quadras Soltas» ou «Com Um Brilhozinho nos Olhos», altura em que furei pela multidão pé ante pé, com licença, com licença, até ao Avan'Teatro para me despedir da Festa ao som dos Roncos do Diabo.

E foi uma bela despedida: a última vez que os vi (há dois anos, no Andanças) ainda se chamavam Gaitafolia e este grupo de gaiteiros e percussionista lisboetas ainda não tinham este sentir bárbaro, selvagem e, ao mesmo tempo, hiper-afinado que têm hoje. Uma versão violentíssima da «Saia da Carolina», um tema chamado «Quero É Que Tu Te Fodas» (é mesmo assim que se chama?) e um fandango asturiano, entre outros, puseram dezenas de pessoas (as que este pequeno espaço suportava e outras lá à porta) a dançar e a suar em bica, apesar do sol já não brilhar há algumas horas. De referir, a finalizar, que faltaram à chamada a fabulosa cantora cabo-verdiana Mayra Andrade, as brasileiras Mawaca e os inicialmente também previstos espanhóis Amparanoia, nomes que bem podiam aparecer na edição 31 da Festa, para alegria de todos nós...

11 comentários:

inominável disse...

Olha, depois de ler,fiquei com pena de não ter ido ao Avante!, gostava muito de rever o SG e os Gaiteiros, mas, infelizmente, um gajo não pode estar em todo o lado :(

Anónimo disse...

que saudades dos teus textos, pá. mais um bocadinho e parece que também estive lá.

António Pires disse...

Olá Dário! E olá Sílvia (Sílvia who?)... A Festa valeu bem a pena, não só por estes concertos mas também por outros e o resto de que a Festa é feita... Mas acredito que para o ano será tão boa, ou melhor, quanto esta...

Anónimo disse...

Viva a trigésima primeira Festa do Avante! já só falta um ano!

ANTONIO MELÃO disse...

E nao viste os Led On?
Tá mal...
abraço - CM

António Pires disse...

Olá Anónimo (Anónimo Who Who?) e Olá Cameraman... Vi outros concertos e partes de concertos na Festa - Vicious Five, a one-man-band barreirense Nicotine's Orchestra, Contra3aixos, Kussondulola, Led On, Boss AC, etc... Não falei deles porque ou não entram no espírito deste blog ou porque vi demasiado pouco para me pronunciar... Do pouco que vi ou ouvi dos Led On, gostei (ainda fiz um pouco de headbanging durante o «Whole Lotta Love» ;), mas gosto muito mais de ouvir os Led Zeppelin revistos na banda-irmã dos Led On, os TGB. Vi um concerto deste trio no Hot Clube há alguns meses e, aí sim, o Mário Delgado e o Alexandre Frazão foram extraordinários... Um abraço

ANTONIO MELÃO disse...

Ok, assim fico mais contente.
TGB nunca vi nem sabia que tocavam Led Zep...
grande abraço man
CM

PS Ainda te devo 20 aéreos

Rini Luyks disse...

Triste, mesmo triste é não ter ido à (não há) Festa (como esta) por causa de umas Bodas de Prata de uma irmã muy católica na Holanda.
E ainda por cima ser obrigado a acompanhar lá em acordeão um irmão a cantar um cover dos "Cascades" anos '60: "Rhythm of the rain"...
Há familias assim, o inferno existe (estou a brincar, ou não!?).
Gaiteiros, Taraf de Haidouks,a consagração d'A Naifa, felizmente vi um bocadinho no blogue deles.
Para a ano há mais!
Um abraço d' "aquele velhinho nas teclas" (dos Lucretia Divina, António Pires há 15 anos no Blitz....),

Rini Luyks

António Pires disse...

Olá Rini!

Bons ventos o tragam ao meu blogue... Ainda há pouco tempo pensei em si, a propósito de uma fotografia dos Lucretia Divina publicada no Fórum Sons e de uma discussão sobre a identidade dos membros da banda. Passe por aqui sempre que o desejar, que eu desde já sou cliente do seu Palhaço do Xadrez...

Um grande abraço do agora cada vez mais velhinho das teclas (do portátil),

António

Rini Luyks disse...

Olá António,

Na blogosfera da música ainda sou novato, cheguei ao teu blogue através do site de A Naifa.
"Palhaço do Xadrez" é a minha alcunha num blogue de xadrez (obviamente), a minha outra paixão.
( http://gxalekhine.blogspot.com )
Registei-me agora no "Forum Sons" (até agora só estava nos "Chants éthérés", muito bom, mas agora temporariamente parado), mas ainda não encontrei este "bocadinho" sobre os Lucretia. Como nostálgicos auténticos estamos naturalmente interessados (eu e Alagoa, ele tem agora o seu "musikcafe.blogspot.com").

Ciao,

Rini

António Pires disse...

Olá Rini!

Pois, ainda não tinha ido ao blog... mas já fui entretanto. No Fórum Sons faça uma pesquisa por «Lucretia Divina» na secção Pesquisa (em cima, à direita) e, depois, escolha a opção, «últimos trinta dias». Boa caça...

E um abraço