08 setembro, 2006
Susana Baca - Pontes Atlânticas
A cantora Susana Baca é uma das pessoas mais lúcidas e inteligentes que já tive a felicidade de entrevistar. Aqui deixo uma entrevista com a diva peruana publicada originalmente no BLITZ em Abril deste ano, a propósito do álbum «Travesías» e das suas ligações a África e às raízes negras da música sul e norte-americana.
SUSANA BACA
NEGRAS TRAVESSIAS
A diva da música peruana continua em busca dos elos perdidos entre a música africana e a música das Américas (todas). Nesta entrevista, Susana Baca fala do álbum «Travesías» e das suas investigações em África e Estados Unidos.
Pode dizer-nos o que é o Instituto Negro Continuo, que fundou em Lima em 1997, e quais os seus objectivos?
O Instituto Negro Continuo cresceu muito desde então. O Instituto fica a cinco quilómetros de Lima, em Santa Bárbara, numa antiga fazenda de açúcar, onde os escravos negros trabalhavam há alguns séculos. O Instituto tem duas salas de aula, biblioteca, uma sala de áudio – onde se pode escutar a música por nós compilada – e um museu que testemunha a presença dos nossos avós africanos aqui. E estamos a tentar recuperar o moinho onde era tratada a cana-de-açúcar e que pertencia à British Sugar, a companhia inglesa que controlava a plantação.
Sei que uma das intenções do Instituto é estudar as ligações da música africana com a música do Peru. Com o mesmo objectivo, esteve no Congo e agora está nos Estados Unidos, a estudar jazz e a cultura crioula... É uma pesquisa «contínua» das raízes negras da música das Américas?
Sim, a inquietude continua. Sempre quis conhecer África, porque penso que é necessário fazer este caminho de regresso. Fui a um festival de música na África do Sul e a Rabat, em Marrocos. Mas faltava-me conhecer o interior, a África profunda. O ano passado tive a oportunidade de participar num festival pan-africano. Participei nos eventos, nas discussões, juntamente com outros artistas. E tive uma sensação muito forte no Congo. Estive em Brazzaville e numa outra cidade, Pointe-Noire, onde pude conhecer músicos, estar nas casas das pessoas, e compreender a colonização europeia em África e as suas consequências, por um lado a escravatura, e por outro, para quem ficou em África, primeiro o colonialismo e depois as ditaduras militares, as guerras, o negócio das armas...
E também tem estado no sul dos Estados Unidos, onde a presença africana é mais marcante. Estava em Nova Orleães quando aconteceu a tragédia do furacão Katrina...
Sim. Estava muito feliz por ter ganho uma bolsa da Fundação Rockfeller para estudar nos Estados Unidos. Fui para Nova Orleães para estudar a música, e não só, da comunidade afro-americana. E compará-la com a cultura afro-peruana. Cheguei ao aeroporto Louis Armstrong – e é muito bonito um aeroporto ter o nome de um músico – no dia 4 de Agosto, e durante um mês tomei contacto com a comunidade, ouvi muitas gravações musicais, assisti a concertos... No dia 27 tive que deixar Nova Orleães porque o Furacão Katrina estava a chegar à cidade. E aquilo tudo foi horrível... Nunca voltei a Nova Orleães e fiquei em Chicago, na universidade, a continuar os estudos, embora sob um ponto-de-vista um pouco diferente.
Um dos géneros musicais peruanos que canta é o «landó». Estou especialmente interessado nesse género porque o landó (outra forma de dizer lundum) pode estar na origem do fado português. Como é que se caracteriza o landó no Peru?
O landó é um ritmo dolente, que caminha, e que permite uma criação muito forte no momento, uma improvisação, mudanças no fraseado... E sinto que o landó tem muito a ver com a canção lusitana. Poderia ser proveitoso um encontro com músicos portugueses que queiram trabalhar sobre o landó...
O seu novo disco, «Travesías», tem canções em castelhano, português, francês, italiano... Porquê tantas línguas usadas? Pode dizer-se que este é um álbum mais universal?
Sim. Quero aproximar-me de toda a gente, expressando-me nas línguas de vários povos. E quando canto noutras línguas estou a fazer uma homenagem a esses povos e à sua música... Não estranhe se eu um dia estiver em Portugal cantando uma canção portuguesa. A nostalgia do fado é algo que me diz muito. E li todos os livros de José Saramago...
A propósito, a sua ligação à literatura é muito forte. Neste álbum, por exemplo, canta Pablo Neruda...
Canto muitos poetas. Já cantei poemas de César Vallejo, um grande poeta peruano. E vou procurar, nos poetas, textos que me emocionem, que que me comovam, que comuniquem comigo e com os outros. Em «Travesías» também canto Violeta Parra e Manuel Escorza...
Em «Travesías» canta «Estrela», de Gilberto Gil, que fez um dueto consigo nessa canção... Gilberto Gil é um dos símbolos do tropicalismo. Pode dizer-se que Susana Baca também é, de alguma maneira, tropicalista?
Sim, sem dúvida. A minha música é feita do encontro de várias culturas. E a minha ligação a Gilberto Gil já existe há muito tempo. «Estrela» é uma belíssima declaração de amor às crianças, que diz «se uma menina ri, as estrelas brilham; se chora, as estrelas apagam-se». Já tinha cantado com Gilberto Gil ao vivo, no Teatro Castro Alves (em Salvador da Bahia), o ano passado, num festival em que estavam também uma cantora portuguesa, Maria João, e um cantor angolano, Paulo Flores. E o meu dueto com Gilberto Gil foi tão mágico que o convidei para o meu disco, para compartilhar com toda a gente essa magia.
Etiquetas:
Entrevistas,
Música Latino-Americana,
Susana Baca
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1 comentário:
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Wish you a lovely weekend!
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