07 setembro, 2006

Uxu Kalhus - A Vitória dos Badalos


A primeira vez que vi Uxu Kalhus (aqui em foto de Mário Pires - da Retorta, ver link ao lado) foi no Mercado da Ribeira, há alguns anos. Já conhecia alguns daqueles músicos de outros projectos ligados à música tradicional, à nova folk feita em Portugal, a grupos de percussões brasileiras ou africanas. Mas nunca imaginei o efeito que aquilo tudo junto poderia provocar: uma música nova, pulsante, viva e original, onde toda a gente dança, no palco, na plateia, nos bastidores... Voltei a vê-los várias vezes (no Andanças, no Chapitô, na Ribeira...) e sempre temi que a magia dos concertos não conseguisse ser transposta para o formato disco. Felizmente enganei-me e o primeiro álbum d'Uxu Kalhus, «A Revolta dos Badalos», está aí para o provar...


UXU KALHUS
«A REVOLTA DOS BADALOS»
HeptaTrad/Megamúsica

O primeiro tema do primeiro álbum d'Uxu Kalhus, «Nova Babilónia», é um início de festa perfeito. Tem a ver com música árabe, brasileira, africana, portuguesa, tem a ver com festa absoluta e com uma declaração de intenções logo de início e para não enganar ninguém (a mistura de muitas, muitas e diversas músicas...). O assumir completo da ideia, global (no bom sentido), de que a música é uma entidade única e universal, sem passaportes nem vistos de residência. E uma declaração de intenções que faz lembrar - muito à distância musicalmente, mas lá perto pela sua humildade e honestidade completas - o tema de abertura do álbum dos LCD Soundsystem em que James Murphy revela muitas das suas influências...

N'Uxu Kalhus há muitas músicas que se mostram depois em «Erva Cidreira» e em todos os temas que se seguem (nas versões ou nos originais do grupo) onde há espaço para guitarras thrash-metal, música árabe e medieval, dub, drum'n'bass, música barroca, jazz, funk, hip-hop, klezmer, ritmos brasileiros (maracatú, embolada, samba...), valsas, mazurcas, chotiças, malhões, polkas, corridinhos... E, muitas vezes, um estar muito próximo (e, ao mesmo tempo, tão, tão, tão longe...) dos ranchos folclóricos portugueses, pelo reportório eleito, pela intenção primeira desta música mas que, apesar dessa intenção, não se resume a ela: a Dança.

Na «Erva Cidreira», entre muitos outros ritmos e géneros, há um momento em que a voz se mistura com um didgeridoo para dar um efeito mágico-circular; em «Horage», uma valsa lindíssima contaminada por África e pelo rock, há um acordeão que remete para os Madredeus; no fabuloso «Mat'Aranha» há cavaquinhos e um groove funk e uma ligação natural a «Faca e Alguidar», com palavras de Camões a entrar por ali dentro e a voz de Rui Vaz (dos Gaiteiros de Lisboa) a encaixar-se ali na perfeição; o «Regadinho» tem dub e um fadinho («Lisboa velha cidade, feita de encanto...») no final; há uma «Suite de Polkas» que, apesar de serem polkas, fazem lembrar o «Eu Quero Ir a Viana»; no «Passodoble do Azulejo» há ska e canto konnokol e alegria carioca; no maravilhoso «Maria de Ceição» há Cabo Verde e nordeste brasileiro e o Renascimento português a unir tudo; e «Sariquitê» é a chave perfeita do álbum, ligando o Algarve a Marrocos e a... hard-rock manhoso (mas que aqui fica muito bem!).

A banda de Celina da Piedade, Paulo Pereira, Vasco Casais, Nuno Patrício (agora nos Blasted Mechanism) e companheiros mostram no álbum, tal como mostram nos concertos, uma fusão de estilos hiper-orgânica, com espírito, verve, conhecimento perfeito das formas e ritmos e melodias, e em que o resultado final é quase quase sempre notável (só não gosto das guitarras eléctricas no refrão do «Malhão» e tenho pena que não tivessem incluído, nem que fosse como apontamento, as versões que fazem ao vivo de «I Will Survive» e do «Dartacão»). O CD tem também uma parte multimédia que ensina a dançar a «Erva Cidreira», «Regadinho», «Sariquitê», «Malhão» e «Mat'Aranha». (9/10)

1 comentário:

zmsantos disse...

Quem os ouve não pode ficar indiferente.