10 outubro, 2006

Waldemar Bastos - Paz, Pão, Amor


Um dos melhores cantores e compositores angolanos da actualidade - ia escrever «o melhor», e só não o escrevo porque isto é sempre relativo... -, Waldemar Bastos, editou no início deste ano o seu álbum «Renascence» em Portugal. Aqui recupero a entrevista com ele, a propósito desse álbum, feita em Janeiro.


WALDEMAR BASTOS
CANTO UNIVERSAL

Um ano depois de ter sido editado na Holanda (e noutros países), o novo álbum de Waldemar Bastos, «Renascence», chega agora ao mercado português. Um álbum em que o compositor, cantor e músico angolano reflecte a nova realidade do seu país - a Paz – e um som cada vez mais universal.

O seu primeiro álbum, «Estamos Juntos», foi gravado no Brasil. «Angola Minha Namorada» e «Pitanga Madura» foram gravados em Portugal. «Pretaluz» foi gravado em Nova Iorque (com produção de Arto Lindsay) e editado pela Luaka Bop, de David Byrne. «Renascence» é editado pela holandesa World Connection. Não são muitas mudanças para uma carreira só?

Não. São mais as contingências da vida. Não acho que isso me tenha prejudicado, antes pelo contrário. Tenho feito os discos que gosto de fazer. Também não me preocupo muito com essa noção de «carreira». Estou mais preocupado com o que dou às pessoas... Saí do Brasil porque o Brasil não estava aberto a músicas de outras proveniências. Em Portugal, a EMI-VC não soube posicionar os meus discos no mercado internacional... Depois, o David Byrne convidou-me a gravar para a Luaka Bop e estou-lhe muito agradecido por isso. Agora estou na World Connection, em que o presidente da companhia fala directamente comigo, ao telefone. Há uma ligação mais directa.

Pode dizer-se que o seu novo álbum, «Renascence», é mais alegre, luminoso e aberto do que os anteriores? E que isso se deve ao facto de Angola ter, finalmente, encontrado o caminho da paz?

Sem dúvida. Todos os angolanos sofriam com a guerra. Era impossível, numa situação daquelas, abstrair-me do que se passava no meu país. Tenho cerca de 50 anos e a guerra em Angola [primeiro, a guerra colonial; depois a guerra civil] esteve presente em quase todos eles. E quando vejo a paz, porque se vê no rosto das pessoas, isso despoleta um disco com estas características.

Voltou a Angola para o grande concerto, em 2003, que celebrou o fim da guerra em Angola (num espectáculo em que também participaram Jimmy Cliff, Youssou N’Dour, Roberto Carlos...). É escusado perguntar-lhe se foi um momento especial...

Foi, sem dúvida, especial. Eu não ia à minha terra, havia coisas que me limitavam. E chegar à minha terra em liberdade, em paz, cantar e ser aplaudido e acarinhado; tudo isso me fez ficar comovido e feliz.

Sente que a paz veio para ficar em Angola?... Pergunto isto porque, a olhos exteriores, parece que bastou a morte de um homem (Jonas Savimbi) para se chegar à paz...

A paz é uma realidade que não se vai alterar. E não acho que tenha sido por isso [a morte de Savimbi]... Havia era um cansaço muito grande. E houve um momento mágico, espiritual, que determinou que a paz se fizesse. É um lado que nos ultrapassa, talvez de dimensão divina.

Em 2000 participou no concerto «Don’t Forget Africa», organizado pela UNESCO e no projecto «Zero Landmine», a convite de Ryuichi Sakamoto. É impossível separar o Waldemar Bastos músico, cantor e compositor do homem politicamente empenhado que também é?

Não me considero um homem político, mas sim preocupado com a sociedade. E um artista que tenta dar o seu melhor para o desnevolvimento do seu país, do seu continente e do mundo em geral. Não faço música que se possa considerar política. Faço música enquanto arte. Mas o artista tem obrigações do ponto de vista social. E não posso ficar impávido e sereno perante o que se passa à minha volta. O primeiro disco em que participei que já atingiu a marca de disco de platina é o «Zero Landmine», que já vendeu dois milhões de exemplares no Japão e o dinheiro angariado já serviu para desminar campos em Moçambique e no Vietname.

Voltando ao novo álbum: nele participam músicos de vários países africanos, portugueses, turcos... O que é que procurou em «escolas» tão diferentes?

Não procurei. Aconteceu assim naturalmente. Tenho músicos na minha banda de nacionalidades muito diferentes, mas com «feelings» que encaixam. A secção de cordas é turca porque achei que os violinos deles ficavam bonitos ali. Mas foi intencional fazer aquele jogo de guitarras, com guitarristas que vêm de várias zonas de África (Angola, Guiné, Zaire). E essas pontes entre vários estilos musicais sempre aconteceram comigo. Desde quando era jovem e tinha uma banda que tocava de tudo (fandangos, tangos, merengues...). Sempre gostei de música africana mas também de músicas de outras zonas do mundo e de artistas como os Shadows, Jimi Hendrix, Booker T & The MG’s, Led Zeppelin ou Chicago. Às vezes, o colonizado fica com uma cultura mais rica porque tem a sua e ainda absorve a dos outros...

É curioso porque, neste álbum, as suas letras não falam apenas da «paz» ou da situação angolana (apesar de haver um tema chamado «Paz Pão e Amor»), mas também, e ainda mais, das coisas do dia-a-dia...

Porque às vezes é ainda mais importante falar de outras coisas. Por exemplo, na minha canção «Dongo» falo de um pescador e do seu barco [o dongo], de modo a que mais gente conheça esta forma de pesca ancestral...

2 comentários:

sete e pico disse...

este é sem dúvida um grande senhor!

António Pires disse...

Sete e Picos:

É sim senhor!!!

E fiquei contente com a visita! Volte sempre!