22 janeiro, 2007

Bellowhead, The Devil's Interval e Uiscedwr - A Folk Britânica Rejuvenescida


Depois de alguns anos de relativo apagamento criativo, a folk gravada nas ilhas britânicas atingiu o ano passado um novo e excitante pico de qualidade e criatividade. Quer através de discos de veteranos como Bert Jansch ou o projecto Waterson:Carthy, quer de grupos e artistas emergentes na cena folk como Tim Van Eyken, Karine Polwart ou os três grupos de que se fala aqui hoje: os Bellowhead (na foto, de David Ange), The Devil's Interval e os Uiscedwr.


BELLOWHEAD
«BURLESQUE»
Westpark Music

Alguém pediu uma big-band (onze-elementos-onze) onde se junta o que de melhor tem a folk inglesa com outras músicas como o klezmer, a country norte-americana, os necessários aromas «celtas», jazz de Nova Orleães em ambiente Tom Waits-cabarético, a música cigana dos Balcãs, rock progressivo sem electricidade incluída e até uma adaptação de «Clube da Esquina» de Milton Nascimento?... Tudo envolto em ambientes ora soturnos ora luminosas, ora românticos ora cinemáticos ora divertidos?... Essa banda existe, chama-se Bellowhead e editou o ano passado um álbum de estreia extraordinário, «Burlesque», em que a sua mistura de muitas músicas é sempre de uma coerência e de uma beleza ímpares (os instrumentos - muitos e variados, como se pode concluir só de se dizer quantos músicos por lá andam - são sempre estupidamente bem tocados; a voz de Jon Boden é muito boa e os outros também não se safam nada mal em várias harmonias vocais...). Os Bellowhead partem quase sempre de temas tradicionais (alguns com centenas de anos) para os afogar em inventivos arranjos que metem ao barulho vozes, melódicas e violinos, banjos e trompetes, sousafones e xilofones, baterias e violoncelos. A banda formou-se em 2004 pela mão do duo John Spiers/Jon Boden e é a maior revelação da música britânica dos últimos anos. Muito justamente. (9/10).


THE DEVIL'S INTERVAL
«BLOOD & HONEY»
Wild Goose Records

Se em relação aos Bellowhead se sublinhou a riqueza e inventividade das orquestrações de instrumentos, no caso dos Devil's Interval o aplauso absoluto vai para as maravilhosas, belíssimas!, harmonias vocais dos três elementos do grupo: as duas raparigas Lauren McCormick e Emily Portman e o rapaz Jim Causley. É verdade que, por vezes, eles também tocam outros instrumentos (flauta, concertina e acordeão, que aparecem em poucos temas, como «tapete» ou como apontamento), mas é no jogo das três vozes a voar sobre canções tradicionas das ilhas britânicas - mesmo que uma delas «recolhida» num álbum de... Dolly Parton - que o arrepio, um arrepio enorme para quem ouve, acontece em cada tema que se ouve. Diga-se de passagem que nenhum deles tem veleidades operáticas ou virtuosísticas na sua interpretação: nos Devil's Interval as vozes parecem nascer da terra, de um tempo antigo, do fundo da alma ou do fundo de um pub (cf. no divertidíssimo «Blow Me Jack»). Este é apenas o primeiro álbum do trio - que também pode ser ouvido em muitos temas do último álbum do projecto Waterson:Carthy, ««Holy Heathens and the Old Green Man» (do qual falarei proximamente neste blog) - mas é suficiente para augurar aos Devil's Interval um futuro brilhante. (8/10)


UISCEDWR
«CIRCLE»
Yucca Records

E se no caso dos Bellowhead e dos Devil's Interval - salvaguardando as devidas distâncias em cada uma das suas aproximações à folk - estamos no domínio da música tradicional inglesa (principalmente), com os Uiscedwr mergulhamos de cabeça no universo da música dita «celta», mesmo que feita por um trio que teve a sua origem em... Manchester. E se o primeiro tema deste segundo álbum da banda é demasiado «pop» e fácil, o que se segue é um nunca mais acabar de boas surpresas e de excelentíssima música. Os Uiscedwr (palavra que significa «água» em gaélico e que deve ser lida mais ou menos assim: «ish-ka-dooer») são Anna Esslemont (voz principal, violino e harpa), Kevin Dempsey (guitarra e voz-solo em «The Music Bringer»; ele que é a última aquisição do grupo e o seu membro mais veterano, tendo tocado com Mary Black e Dave Swarbrick) e Cormac Byrne (bodhran e outras percussões), músicos que têm as suas origens repartidas pelo País de Gales, Inglaterra e Irlanda e um gosto comum pela música «celta», sim, mas também por muitas outras músicas: em «Circle», a folk é envolvida em elaborados arranjos (apesar dos poucos instrumentos utilizados) que levam muitas vezes as canções, na sua maioria originais do grupo, para a pop, a música barroca, o flamenco, a música latino-americana, algumas variações jazzísticas ou a música cigana do leste europeu. Uma festa! (9/10)

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